Paulo Lisboa, “Phosphora”
“(…)Nos papéis de Paulo Lisboa o desenho emerge como traço*, operando no limite de uma transferência quase literal da pedra para o papel, molécula a molécula, como se de uma operação alquímica se tratasse. No final, a grafite e o xisto são o que encontramos resintetizado nessa superfície mineralizada do desenho.
(…)Em outros desenhos ainda, a malha das partículas da pedra transferidas para o papel é regulada através de subtis oscilações de intensidade e de traçado. A mancha molecular faz-se então desenho, rasgada por linhas de luz, que decorrem na realidade da ausência ou da menor intensidade do traço. O desenho e a organização espacial dessa espécie de paisagens siderais emergem desses feixes luminosos, tal como acontece em outras grafias de luz que produz a partir dos media fotográfico e cinematográfico, e através de operações derivativas e reflexivas desses dispositivos.
Com uma grande economia de operações e também num espaço medial bastante preciso, a obra de Paulo Lisboa experimenta pois, com sistematicidade e rigor, um conjunto de ambiguidades e de oscilações em torno do desenho, ambiguidades que vão da absoluta ausência de imagem ao simulacro, da mancha à linha, de uma espacialidade etérea à presença saturada da matéria. Estas oscilações e ambiguidades mantêm a sua obra numa zona inquietante de mistério, mas também, ao mesmo tempo, num território laboratorial, marcado por uma experimentação muito consistente e por um grande disciplinamento do gesto artístico.
(…)A obra de Paulo Lisboa não obedece a um programa medial, mas as suas operações, ou modos de fazer arte, não abandonam uma meditação da matéria e do gesto, pelos quais toda a experiência cultural se constitui. A materialidade da terra surge decomposta e resintetizada nos seus desenhos a traço, como a antevisão de uma nova idade da pedra (filosofal) ou do design da própria natureza, para o qual nos encaminhamos. Paralelamente, a manipulação de velhas máquinas modernas da imagem e da sua fantasmagoria da luz, é convertida em congeminação mecânica do seu próprio desenho. Em cada traço da obra de Paulo Lisboa é retraçado o mistério da relação entre o gesto, a matéria e o pensamento.”
Maria Teresa Cruz, “Operações e Mediação: Gesto, Matéria e Pensamento na Obra de Paulo Lisboa” in O Resto e o Gesto: Desenhos para o Século XXI. Patrício, C. (org.) 2014. Colecção Cadernos do Côa nº 8. Fundação Côa Parque. ISBN: 978-989-98329-2-3
* “traço ou risca é a cor do pó de um mineral que se obtém quando este é riscado contra uma placa ou um fragmento de porcelana de cor branca, método utilizado para a identificação de diferentes espécies minerais. Este método analítico consiste em deslizar, com força, uma amostra desconhecida sobre uma superfície branca e dura, sobre a qual se produzirão traços de pó de coloração característica”. (cf. Wikipedia)
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