Nuno Sousa Vieira, “From Darkness to Light”
De regresso a regresso
Todos os dias regresso e regresso com a expectativa de regressar no dia seguinte. Este regresso não implica apenas uma repetição, encontra em cada percurso a diferença (1), constituindo um processo simultaneamente evolutivo e cumulativo.
O meu ateliê é isto mesmo, um lugar de regressos, um lugar que me permite reavaliar, reinterpretar e reativar cada uma das partes que o constituem e definem em permanente relação e articulação com o mundo. Considerando cada uma destas unidades de espaço-tempo, que se repetem e reduplicam, constituindo ciclos, sinto-me próximo de Sísifo que, após ter enganado a morte, foi condenado a uma eterna repetição. Parece-me que também todos os dias enganamos a morte e, por isso, todos os dias regressamos ao sopé da montanha com a expectativa de que no dia seguinte conseguiremos levar a pedra até ao cume. Ou então, não regressamos exactamente até o sopé da montanha mas, vamos tomando consciência de que ao virar de cada curva surge sempre um lugar mais alto.
O regresso pode, neste sentido, ser entendido como o encontro entre um princípio e um fim.
Por outro lado, o fato de regressar e de rever cada uma das partes não é acompanhado por qualquer angústia ou nostalgia e não só porque me permite sentir a saudade mas, sobretudo, porque me possibilita uma permanente redescoberta. O meu regresso é sempre acompanhado dos outros regressos que, tal como o meu, carecem de aprendizagem, o que acentua a ideia de regresso como lugar de encontros.
Regressar é reencontrar. Reencontrar é reconstruir e consolidar. Reconstruir e consolidar é estar vivo e voltar atrás para seguir em frente.
Fechar os olhos para ver melhor e para antecipar e interpretar o que está para além da curva da estrada.
Nuno Sousa Vieira
(1) Gilles Deleuze, Diferença e repetição, Lisboa, Relógio d’ Água, 2000.
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